Artigos

Alguns dos artigos publicados no Caderno VIVA do jornal Diário de S. Paulo

A Arte nunca deveria aspirar à popularidade, mas o público deve aspirar se tornar artístico. Há nisso uma diferença muito ampla.

Oscar Wilde.

Fui convidada para dar uma palestra sobre teatro em Brasília, quando participava como atriz de um evento cultural; provavelmente um festival de teatro.

A certa altura resolvi citar Oscar Wilde, autor da frase que abre esta página, tirada do livro A Alma do Homem sob o Socialismo. Acontece que não conseguia me lembrar o nome dele e só me vinham a cabeça as vogais O.W. Suei frio por alguns segundos, que resultam uma eternidade numa situação assim, quando me lembrei, e com a boca cheia de alivio disse:

“Este pensamento com o qual comungo plenamente é de Orson Welles. O.W. Não me levem a sério, erro muito.”

O palco este bordel ecumênico sem fronteiras ou preconceitos, existe para provocar, encantar, é exigente e as tábuas que formam seu chão rangem quando são usadas levianamente. A Arte nos provoca a um entendimento muito maior do que aquele que nos oferece apenas, como diz o cantor, a régua e o compasso, que a bem da verdade não cumprem o papel que lhes é dado cumprir. Ah, se o fizessem! Não subestimem  a capacidade de um povo de absorver e apreender o belo. Cabe a todos  nós sabermos usar armas  letais contra a ignorância, a total ausência de critérios e valores, ansiar e formar enfim um PAÍS que “Aspire se Tornar Artístico” como disse Orson Welles…ups… Oscar Wilde.

Artista não é profissão; é diagnostico.

“Só louco faz teatro, porque mata” … disse Yuri Butusov, diretor russo que com sua montagem de A Gaivota de Tchecov encanta o publico durante o MIT- Mostra Internacional de Teatro. E por falar em louco, (melhor no plural) loucos, vem aí A Fantástica Casa de Bonecas, ousadíssima adaptação de Lee Breuer e Maude Mitchell do clássico de Henrik Ibsen, Casa de Bonecas, que breve ,muito breve fará parte da temporada de Teatro que S. Paulo oferece neste mês, com elenco devidamente diagnosticado para enfrentar tal montagem.

Espetáculos internacionais, importantes montagens nacionais, espetáculos para todos os gostos e o melhor casas lotadas.

Cá para nós saber o que é bom o que é perda de tempo, fazer parte de uma plateia com capacidade de discernimento neste pais de desamparos, é um privilégio.

Mas voltando à Fantástica Casa de Bonecas… algumas curiosidades sobre estes talentosos atores. Giovani Venturini, Fernando Vigui e Veca, – Verônica Ned, têm nesta montagem a oportunidade, com toda certeza há muito esperada, para colocar em cena, sem restrições, seu talento e o prazer de poder exercer seu oficio à despeito de suas limitações físicas. Limitações? Não, talvez essa não seja a palavra correta porque este trio enfrenta todo e qualquer obstáculo para defender seus personagens seu justo lugar ao sol ou palco, dá na mesma. Em suas próprias palavras…

Giovanni Venturini

Gio será o antagonista Krogstad.

“A paixão pelo teatro, poesia e literatura é herança genética, e ainda bem que não tem cura.” Ah sim, claro…e junto outro diagnostico o nanismo. Desejo que o mundo artístico nos ofereça oportunidades dignas, para que consigamos mostrar nosso talento, e ser respeitado por ele, e não pela condição física. Que saiam desse estereótipo que criaram para os atores anões, que surjam oportunidades como “A Fantástica Casa de Bonecas”, onde cada vez mais descubro do que meu corpo é capaz e continuar, independente da dor.

Tentei vários tratamentos, para sobreviver ao diagnostico Artista, quando os dias longe do palco se prolongavam demasiadamente. Não para o de Nanismo.

Veca Pinto, na verdade Veronica Ned, dona de um humor imbatível, também filha de artistas, foi escolhida para defender o personagem Dr Rank. Sim, um homem; Melhor mais um desafio! Tenho certeza que foi isso o que pensou quando convidada.

“Casa de Bonecas, um privilégio, Dr Rank… um presente do Universo.”

Quando fiz 13 me matriculei, escondida do meu pai, no teatro Vento forte, com a idade falsificada de 16 pra poder entrar no curso, nunca mais a minha vida foi a mesma, graças a Deus!!!

Dores? Muitas em muitas partes, até onde e quando não queremos como herança de um outro diagnostico que não Artista.

Depois de 15 anos de profissão sei que o desejo é o que nos revela, é para os que têm coragem, uma questão de conquista.

Eu tenho muito sonhos e quando está demorando pra realiza-los dou uma adaptada, pra dar uma ajudinha pro cosmos!! “Quero fazer um filme com o Almodóvar, pelo amoooor de Deus!!!”.

Fernando Vigui, será o protagonista masculino no dificílimo papel de Torvald, marido de Nora, o personagem mais cobiçado por jovens atrizes.

Seu primeiro protagonista depois de 12 anos como ator…

“Da família o único que ingressou na área artística fui eu. No começo foi difícil, porque apesar de tê-los sempre como os maiores apoiadores em tudo o que fazia, existia um medo justificável de que me levassem para a linha cômica da profissão. E não era preconceito com este segmento, mas é porque eles realmente me conheciam, e sabiam que a minha frustração seria grande perante a expectativa que eu mesmo construí. E hoje eu tenho a oportunidade ,que com certeza será um divisor de águas na minha carreira, um personagem diferente de tantos outros que já fiz, meu maior desafio, o personagem da minha vida. Não espero que o meu nanismo seja ignorado, pois é a minha condição, e é visível, mas nunca deixei de querer e esperei como tantos atores pelo grande personagem. Um clássico da literatura? Porque não? E o convite finalmente chegou e a este trabalho me dedico de corpo e alma.”

E assim devidamente diagnosticados, e apresentados a vocês deixo o teclado. Até quinta e até lá aproveitem os dias e as noites… os dias e as noites os dias e as noites à espera de Nora, a belíssima personagem criada por Ibsen que será interpretada por Helena Ranaldi.

As cidades, como os sonhos, são feitas de desejos e de medos.

Ítalo Calvino, escritor italiano

Já leu “Cidade Invisível”? Vale a pena.

Como conquistar quem chega da cidade maravilhosa, descaradamente cheia de mares, luz e cai nesta São Paulo e seus vários tons de cinza?

Helena Ranaldi acaba de estrear e seu talento colocou Sampa aos seus pés. Foi ela quem nos conquistou.

A montagem foge a regra, um delírio cênico que diverte e emociona a plateia. Era uma vez.. esta Fantástica Casa de Bonecas.

Intérpretes maravilhosos e uma invejável equipe de criação.

Helena entrega-se a qualquer desafio, dona de uma generosidade contagiosa, criou Nora, a boneca submissa que surpreende a todos com sua ousadia. Ao desistir de sua vida, parte em busca do encontro perfeito com a liberdade, sem pudores.

Helena incita o público com leveza e humor ao ato de pensar, ainda nos dias de hoje, o papel da mulher na sociedade.

“A Fantástica Casa de Bonecas” é uma adaptação da obra de Henrik Ibsen, “Casa de Bonecas”, encenada por um dos grupos mais irreverentes de Nova York: Mabou Mines de Lee Breuer e Maude Mitchell. No palco, os personagens masculinos são interpretados por excelentes atores anões que envolvem a plateia e quebram preconceitos. Esta condição obriga as mulheres a se dirigirem a eles, curvarem-se e colocarem seus joelhos no chão.

O cenário reproduz fielmente uma casa de bonecas, induzindo as mulheres ao desconforto de terem que abaixar para cruzar as portas, ajeitar seus vestidos de época longos e fartos em pequenos sofás, a beber seu chá da tarde em xícaras absurdamente pequenas para suas mãos.

Toda encenação sugere a submissão.

Ao final, a nudez de Helena, ou melhor Nora, causa… Bem, prefiro que vejam, com certeza as palavras não farão jus à beleza da cena. A trilha de André Abujamra provoca. O cenário de Serroni encanta. O figurino de Fabio Namatame embeleza. A luz de Quinderé te fará sonhar de olhos bem abertos.

As últimas palavras de Nora, personagem protagonista desta Casa de Bonecas, são: “Não acredito mais em milagres!”

As primeiras palavras de Helena foram: “Dia 15 de janeiro arrumei minhas malas e voltei a São Paulo depois de 23 anos morando e trabalhando no Rio de Janeiro. São Paulo é mesmo imbatível, as relações de amizade se estabelecem verdadeiramente. Já sei que vou sentir saudades, vocês me receberam muito bem. Me fazem muito feliz!”

Não vi, mas sei que vou gostar . 🙂

 …um teatro que nos desperte nervos e coração. Antonin Artaud , escritor poeta transgressor na vida, na arte; era esse o teatro que queria.

Cito essa frase porque passei um bom tempo tentando escolher um espetáculo para ver neste final de semana e como vítima (?)  dos desesperos, desacertos deste país procurei um coisa leve, mas que ao mesmo  tempo despertasse meus nervos e coração e me tirasse da perplexidade, essa coisa nociva ,quando apenas perplexidade. Testemunhas perante o caos, nada mais. O   teatro provoca a pensar e agir , seja através da comédia ou do drama. Eu precisava disto.

Tenho confiança inabalável em alguns intérpretes, produtores, diretores e vou vê-los  certa de ter feito a melhor escolha, o  que não me impede em absoluto de ter interesse em conhecer os que chegam.

Sair do teatro no mesmo estado de humor que entramos é terrível e  para prevenir é preciso informar-se antes sob pena de passar o resto da noite, ou uma parte dela , arrependido pela perda de tempo e  dinheiro .Para não correr esse risco  isso  escolhi:

Concertando Frank, produzido por Ronaldo Diaféria no Teatro Mube.  Impecável. Só pode ser. E o boca a boca parece comprovar. Estou curiosíssima.

Ah sim…. a direção  é de  Marco Antonio Pamio ,os interpretes são; Chico Carvalho, Rubens Caribé e Henrique Schaffer a trilha é de Ricardo Severo, a Luz de Fran Barros. O MUBE fica na Av. Europa 2015.

Desafie o transito e vá ao Teatro a temporada paulista está fértil.  As temporadas são curtas, fique esperto….

É isso, hoje à noite verei Concertando Frank.

Não tenho receio de dizer a perigosa frase:

“não vi ,mas sei que vou gostar…”.

Privar o povo do teatro, da arte em geral, é faltar com a mais elementar prova de amor a humanidade.

Não sei quem é o autor desta frase ,mas sei bem o que quer dizer.

Digo isto porque projetos geniais sem nenhum apoio consistente andam por aí;  alguns têm endereço, dia, hora e intenção certa: Av. Paulista – MASP – Segundas feiras, às 19:30.

LETRAS EM CENA. O Pulmão da Dramaturgia respirando na Av. Paulista. Nas palavras de Clovis Torres e Marina Mesquita, idealizadores e diretores do projeto.

Em março de 2006 lançamos o Letras em Cena. Não tínhamos leis de incentivos e nem apoios  apenas a vontade legitima dos atores e autores.

O Letras veio preencher um lacuna na agenda cultural de São Paulo possibilitando discussões de alto nível entre publico, atores, autores e diretores. Mesmo 10 anos depois ,ainda é um projeto de difícil entendimento para empresários e pessoas que apoiam a cultura. Ele foi criado para fomentar ideias e formar público respeitando democraticamente escolas e pensadores  diferentes em tudo.

Letras é um catalizador das discussões contemporâneas a partir do teatro, quase sempre tendo os clássicos como ponto de referência.

Nossa estimativa: 350 textos lidos – 70 se tornaram montagens.

A média de publico nestes dez anos é de 200 pessoas por evento, claro que estamos falando da media de 40 eventos a cada ano …” x” 10 anos…

Sim, Letras comemora 10 anos!
Te encontro lá na  próxima segunda!

Clarisse

Já pensou se os colégios levassem seus alunos para ouvir e dialogar?  Nada mal.. Nada mal.

A música tem encantos para serenar o coração mais selvagem. W. Congreve, um poeta inglês

A primeira coisa que fiz nesta manhã, como faço todas as manhãs, por pura curiosidade, foi abrir as janelas e olhar o céu que hoje me tirou o folego tamanha beleza! Raios de sol mudavam a cor dos troncos, dos galhos das imensas árvores que rodeiam o prédio onde moro. Parei por um instante extasiada. Meu coração se colocou em pé e sorriu.

Na sequencia a musica o café, as noticias. Resolvi assistir ao jornal e não ler o jornal. Desliguei o radio, liguei a TV e não ouvi uma única noticia que não fosse terror e miséria. Desliguei e voltei à musica, melhor maneira de se começar o dia, mas como seguir assim, pega pela tragédia tão cedo? Melhor não voltar a ver ou ler ou ouvir os jornais?

Não ignorar que a beleza estava ali ao alcance dos meus olhos? Talvez. Encontrar um antidoto qualquer que me deixe imune às más noticias? Ignorar?… Impossível.

Lembrei-me que na noite anterior comentei com amigos que há anos todo jornal na televisão terminava com uma noticia sobre um evento cultural, fosse uma peça, um concerto uma exposição.

Encerravam o noticiário, Não com a palavra que mata, mas o espirito que dá a vida, como diz o poeta Fernando Pessoa.

O fato é que me vi procurando saída para o mal estar e desconforto .Achei melhor dar um tempo e sair pra caminhar; hoje é feriado.

Não, não levei celular nem trocados para agua de coco, apenas levei a musica. Meu Ipod. A musica devolveu-me a alegria, com todo poder e magia que tem. Sensibilizou-me como eu precisava, como qualquer ser humano merece.

A boa musica precisa é estar nas salas de aula nas rádios nas comunidades ao alcance de todos, sem exceção. Recuso-me a acreditar que estamos num beco sem saída . O problema é que é preciso saber que existem outras possibilidades que não aquelas de acesso fácil.

Me desespera ver a mocidade na sua grande maioria cultivando uma musica que nos ridiculariza que incita aos menos curiosos dançar com gestos obscenos, um coito grosseiro retratado sob uma mesma nota só, o som estridente e ensurdecedor de um bate estaca. Harmonia? Melodia? O que é isso?

Com toda certeza você já ouviu falar sobre a Sala São Paulo, onde você pode ouvir durante toda a semana concertos maravilhosos. Já teve a curiosidade de ir? Sabia que aos domingos os concertos têm entrada franca, que o Teatro Municipal também tem musica da melhor qualidade aos domingos quando não grátis com o preço mais que acessível? Sem falar da beleza dessas duas salas, é de tirar o fôlego.

Há sempre uma possibilidade caso os ingressos tenham valores altos.

Há sempre um dia em que o preço está mais em conta, quando não totalmente grátis, nos museus, nos teatros, nas salas de concerto, nas exposições. Sem contar a internet!

A curiosidade pelo belo, pela arte em sua totalidade deve ser estimulada desde sempre.

Quem sabe você pode gostar, gostar muito, e convencer seus filhos a irem. Daí sim pode nascer a curiosidade, inclusive a curiosidade de ver os ensaios! Perfeitamente possível por exemplo na Sala S.Paulo.

Sobre levar os filhos, é que em toda minha carreira no palco, e lá se vão alguns muitos anos, se vi uma ou duas vezes os pais chegarem no teatro na cia de seus filhos, foi muito!

A criança pode resistir, mas bem estimulada e levada com carinho pelas mãos aprenderá desde cedo a formar sua opinião saber do que gosta do que não gosta, a ter curiosidade sobre tudo o que poderá desfrutar dentro da arte. E quando ficarem tristes ou cheios de duvidas saberão que a boa musica e a os bons livros são excelente cia.

Minha nossa! Uma viagem e tanto, fui do sol ao café do café ao caminhar do caminhar à musica da musica aos estímulos dos estímulos à curiosidade !

O grande cientista Einstein cujo cérebro foi dissecado e estudado com afinco na tentativa de descobrirem como é possível tanta genialidade disse que o melhor de sua cabeça era sua curiosidade.

Curiosidade.

Talvez seja inocência reduzir a esta palavra, mas como foi Einstein quem disse…quem sou eu pra discordar?

Sala São Paulo – Praça Júlio Prestes, 16 – Campos Elíseos, São Paulo – SP, 01218-020 – Telefone: (11) 3367-9500 – Teatro Municipal – Praça Ramos de Azevedo, s/n – República, São Paulo – SP, 01037-010 – Telefone: (11) 3053-2100

*Herta * Mia *Alcides *Pessoa. “Como o ano passou depressa” !

O diálogo e as exclamações se repetem nesta época desde que me entendo por gente, quando a folhinha parece gritar : JÁ É NOVEMBRO… E a loucura e as urgências do viver em São Paulo se atropelam. Festas, Compras, Verão, Férias! E sempre a  pergunta típica dos paulistas: em que mês vai cair o Carnaval ?    Não, não pela festa propriamente dita, mas sim porque, cá prá nós, o Brasil só recomeça de fato depois do Carnaval. Festa imbatível em beleza e criatividade… E já desmentimos há muito tempo que São Paulo é o tumulo do Samba. Não será um ano fácil assim dizem, assim pressentimos.

*O pensamento da escritora Herta Muller tem me perseguido como consequência desses dias tão absurdos que temos vivido e que têm provocado piadas e risadas muitas vezes descabidas. Confesso que por nervoso, espanto, ou seja lá o que for, já me encontrei rindo, pateticamente, frente ao disparate das declarações de nossos, assim chamados, dirigentes que se reproduzidos em um espetáculo jamais seriam críveis e provavelmente seriam vaiados.

Quando o humor vem da falta de perspectiva, quando extrai sua perspicácia do desespero, desvanecem-se os limites entre diversão e humilhação. H.Muller.

Pois é. Todo cuidado é pouco. Rir sim, mas não mais de nós mesmos, quando somos o objeto na berlinda frente aos absurdos que temos sofrido como cidadãos, e quando reagimos apenas com espanto e reclamações.

*Outrar … É uma palavra que provoca. É sempre um desafio e, se não me engano, foi Mia Couto escritor Moçambicano, quem falou sobre o verdadeiro significada dessa palavra, com tal maestria, que foi um sinal de alerta pra mim, e desde então, apesar de outrar fazer parte do exercício imprescindível de todo intérprete, passou a ter ainda mais importância.

Outrar, entender reagir se enternecer, se colocar na pele do outro, e por aí vai, entender os descalabros causados por fronteiras e a necessidade urgente de serem extintas do mapa e ainda, a fome, os socorros necessários e nunca alcançados, o mundo, o vizinho. O Outro. Sim, é preciso Outrar.

*Alcides Nogueira, escritor da melhor qualidade, dramaturgo, homem de extrema sensibilidade escreveu o texto da peça “Gertrude Stein, Alice Toklas e Pablo Picasso”, brilhantemente interpretada por Nicete Bruno, na pele de Gertrude Stein uma  influente intelectual e agitadora cultural que morreu em 1946, se não me engano . Deixo aqui um fragmento.

Estamos pobres politicamente, socialmente, sexualmente, artisticamente e se as coisas continuarem como estão ficaremos mais pobres ainda. Por favor não parem, não desistam,  porque se nos esmorecermos as pessoas piores que nós se aproveitarão disso…

Pois que venha forte 2016! Saberemos do que rir, saberemos outrar, saberemos como não esmorecer… Que venha fértil que nos provoque a sermos também fortes e férteis em nossos pensamentos, em nossos gestos, intenções, decisões, em nossos amores, e não estaremos mais tão pobres, que venha lavado em poesia porque como diz o poeta Fernando Pessoa.

* À parte isso, trago em mim todos os sonhos do mundo.

SAMPA

São Paulo! Sigo Sigo com minha relação de amor e ódio à esta cidade, chão de meus primeiros passos. Estava prestes a falar sobre um outro poeta que não Mario de Andrade mas a cidade se impôs e ela pediu chorosa o poema do mestre` Quando eu Morrer! Quando eu morrer, quando eu morrer quero ficar, não contem aos meus inimigos, sepultado em minha cidade, Saudade… Bateu em cheio em meu coração. Sampa é e sempre será essa força desenfreada sem nexo que constrói e destrói na mesma proporção. É a colcha de retalhos ou se preferir o patchwork colorido por gente de todos cantos e todos os cantos desse país imenso. Meus pés enterrem na rua Aurora, no Paissandu deixem meu sexo, na Lopes Chaves a cabeça esqueçam.

Não há sotaque que não se ouça, não há musica que não toque, não há corpos que não se encontrem. Os dias andam difíceis para o mundo, asperezas pouco caso e violências em suas ruas. Como sobrevivemos? Porque loucos, pra lá de lúcidos, ocupam seus espaços… No pátio do colégio afundem o meu coração paulistano: um coração vivo e um defunto, bem juntos `… Alguns nos teatros, outros em galerias ,outros com a batuta e um exército de apaixonados, outros debruçados sob palavras criando historias e poesia em livros.São Paulo inspira, incita a criar incessantemente, reagir, por que tudo gira a uma velocidade absurda… Escondam no Correio o ouvido direito, o esquerdo nos Telégrafos, quero saber da vida alheia, Sereia.

As Operas estreiam lotadas, os espetáculos de teatro estreiam com temporadas agendadas e curtíssimas, os shows duram dois dias, tudo gira como num escravo de Jó que jogava caxangá…. tira, põe, deixa ficar, deixa ficar, deixar ficar… mas não ficam, quando nos apercebemos, as temporadas se encerraram… O nariz guardem nos rosais, a língua no alto do Ipiranga para cantar a liberdade, saudade… .

E tudo isso numa metrópole de proporção impressionante, onde chegar e partir seja para onde for nos exige criar estratégias e vencer medos. Não há como escapar dessa verdade cruel. Mas há sempre o artista de rua e seus talentos múltiplos!… Os olhos lá no Jaraguá assistirão ao que há de vir, o joelho na universidade, saudade.

Entre eles, verdadeiros pintores, vivem colorindo desenhando estranhezas e belezas que nos roubam a atenção, desafiam alturas, aturam indelicadezas. Diz o ditado que Artista não é profissão, é diagnóstico, pois devidamente diagnosticados eles seguem enfeitando e enfrentado Sampa. Sobre eles “os grafiteiros” contarei outro dia qualquer.

As mãos atirem por aí, que desvivam como viverão, as tripas atirem ao Diabo que o espírito será de Deus.

Adeus.

Que julga as pessoas não tem tempo para amá-las. M.Tereza de Calcuta

Tenho vivido dias de sol e chuva na cidade maravilhosa e por sorte longe dos arrastões que têm tomado conta desta cidade, mas confesso meu receio de ser pega de surpresa nessa “emboscada” escancarada, cheia de apelidos. Diga-se de passagem tristes apelidos, tão tristes quanto a desconfiança!

Explico: Nada mais cruel, desconfortável, do que desconfiar, pior ainda desconfiar de um garoto que você nunca viu na sua vida e temer, evitar, desviar, apressar o passo ou mudar de calçada, vê-lo antes perigo, como ameaça de roubo, com arma branca ou bala, JULGAR… isso sim é dilacerante; Julgar a priori. Dilacerante e inevitável. É desse mal que tenho sofrido mais que nunca.

Cresci ouvindo que jamais julgasse as pessoas pela aparência !Quando imaginaria que a aparência que me amedrontaria seria de um menino de short largo e camiseta maior ainda. Nada feito para seu corpo! Nesta cidade prensada entre o mar e montanha é o que mais vejo, o que mais temo, o que mais me dilacera.

Claro que este horror não é apenas desta cidade, é do país.Infelizmente.

Mais uma vez a certeza de que a solução e o nosso refúgio é na Arte. Eduquem este país que tão vergonhosamente se intitula Pátria Educadora. Educar é a essência da Arte, não há como desassociar; elas não se apartam. Entre elas, e nós quem nos guia até ela: O Professor. Um encontro sublime. Único. Marcará pelo resto de nossas vidas.

Tudo isso para relembrar em poucas palavras a historia de Diego Frazão Torquato, Diego do violino, como era chamado. Cresceu em meio à pobreza e o crime. Tinha verdadeira paixão pela música e tocava na Orquestra de Cordas do projeto AfroReggae. Teve a vida salva pela música clássica e quem o ajudou a escapar da pobreza e da violência foi seu professor de música Evandro. João da Silva.

A tristeza. A saudade. A gratidão.

A foto!

Sim a foto de Diego a chorar a morte de seu professor enquanto tocava em seu enterro numa homenagem inesquecível. Esta foto foi vista por meio mundo, nenhum de nós a esquecerá e nenhum artigo jamais será capaz de definir o poder da arte e da importância de um professor que acredita na sua inenarrável força na formação do caráter, da alma, cabeça tronco e membros de um jovem. As lágrimas de Diego do Violino conseguem.

Há seis meses tenho ocupado este espaço do Caderno Verde do Diário de S.Paulo com carinho imenso, mas chegou a hora de me despedir; A quem me deu a honra de ter lido as crônicas meu afetuoso abraço e meu muito obrigada.